sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Contos da madrugada tardia... Estou mesmo a teu lado

Esta noite está particularmente fria... Lá fora pequenas gotículas de gelo vão descendo sobre a cidade... revestindo os prédios... os carros... as calçadas... as pessoas... de uma película vítrea, onde se esboçam formas... figuras... nomes... sequências... que dão alma ao nascer da madrugada e a cobrem sobre o denso manto do mistério... Penso em ti nesta hora tardia... como penso em ti todas as horas... És presença permanente no meu pensamento... e no meu coração... Já deves dormir um soninho descansado... Por isso... hoje... mantenho-me acordado... para poder velar esse soninho... Estou longe... mas tão perto de ti... Estou mesmo a teu lado... olhando o teu rosto lindo... que ainda fica mais lindo quando o sono vem... e as preocupações desaparecem... Estou mesmo a teu lado... para  te guardar os sonhos...  te libertar dos receios... te exorcizar os fantasmas...   Estou mesmo a teu lado... para te aconchegar a roupa... fechar a cortina... silenciar o mocho... Estou mesmo a teu lado... para te fechar os olhinhos... te ajeitar o cabelo... te acariciar a face... Estou mesmo a teu lado... Luto desesperadamente contra o  sono... Mas não quero deixar de estar a teu lado... pelo menos... enquanto não te puder dizer o quanto te quero amar... Estou mesmo a teu lado...
14/1/13

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Contos da madrugada tardia... Uma experiência limite...

Hoje vim até à praia... (sim... eu sei carinha linda... eu sei que é de noite e que à noite as pessoas decentes e civilizadas não estão na praia. Estão em casa, a ver TV, a ler... enfim a fazer algo de útil à família ou a sociedade... como beber mais um copo... ou a espancar a mulher... mas eu não sou uma pessoa decente nem civilizada...) Estou sentado a poucos metros da água salgada, sob a pálida claridade da Lua Nova que deixa perceber o altivo movimento ondulante que se estende por um horizonte negro e misterioso...  Troa a voz profunda do mar revolto... São as marés vivas... a alma dos oceanos em autoregeneração... clamando por novos sacrifícios (eu não...! certo...? vamos lá a ver se nos entendemos... Estou aqui por mero acaso...)  que a revitalizem... As vagas sucedem-se a um ritmo cadenciado... uma atrás da outra morrem no castanho-seco da areia molhada... Sinto o quão próximo estão... Um breve estertor  de branca espuma... uma nova vaga se anuncia... mais alta... poderosa... não a vejo... sinto o cheiro forte a marzia... a sombra que cresce... ameaçadora... tenebrosa... escurece subitamente... o anémico luar... os reflexos de prata... desaparecem... engolidos pela voracidade desta massa de água que se agiganta... tenho que... não... não vou conseguir... fugir... nem tento... se tenho que aqui ficar que seja com um mínimo de dignidade... vem... recebo-te de frente... estou aqui... engole-me... ... diz àquela senhora líndíssima que gos... 


                                                                                     


Onde é que estou? Estranho... devo ter adormecido... mas não me lembro de ter vindo para aqui. Que sítio bizarro... parece um túnel... sombrio... com pequenas pepitas de luz baloiçando anarquicamente de ambos os lados... Há uma estranha fragância no ar... Alfazema...? Não... Côco...? Não... Eternity...? Talvez... Nunca tive grande olfato... Sombras... informes... sombras... Ao fundo... uma luz intensa... sedutora... estou a deslizar... lentamente... por um piso que mal sinto... Dir-se-ia que escorrego em levitação... Para onde é que me levam ... ei...! está aí alguém...? um vulto... ali... parece-me um vulto humano... tenho que sair daqui... a luz intensa... ao fundo... chama-me... vou perguntar àquele... ei... não me consigo mexer... aquele vulto... podia-me dar uma ajuda... "Senhor...!!! Ajude-me..." Estou a ser puxado para a luz... tenho que sair daqui... Senhor... ajude-me... Help... SOS... como diabo é o código morse????  Já me lembro... três pontos-três tracinhos-três pontos... aí vai... ···---··· ... não resulta também... códigos de cores... Estou a passar junto ao vulto... que se vira... traja  de branco e azul... é tão bonita... é... és... és TU... o que...? O que é que...? os teus lábios mexem-se mas não te ouço... O som perde-se antes de se formar... tenho que os ler... tenho que os conseguir ler:
- Dê-me a sua mão!
- Eu...? O que é que está aqui a fazer? Onde é que estamos?
- Dê-me a sua mão agora!
- É melhor não... Pode estar alguém a ver... Diga-me só como é que saio daqui...
- Não está aqui mais ninguém... só sai daqui se me der  a mão... dê-ma  agora ou segue inexoravelmente em direção à luz...
- Que luz é aquela? Onde é que estamos? Não está cá mais ninguém!? (Gosto da ideia)
- Dê-me a sua mão já!!!!!
Quando aquelas duas mãos se tocam a luz intensa torna-se mais débil... Há como que uma redefinição do cenário envolvente, que se transmuda, mas ele, completamente enlevado, nem se apercebe.
- Posso saber o que se passa aqui?
- Não sabe onde está, ou melhor, onde esteve?
- Não... estou completamente perdido, não me lembro de nada disto... mas também pouco importa... até podemos estar em Marte... desde que se mantenha junto a mim... (é melhor não lhe dizer que adoro ter a minha mão na sua, não vá arrepender-se... deixa-me assobiar para o ar e fingir que até nem estou a dar por isso...)
- Não se recorda de nada? Uma tolice qualquer de ir à praia de noite... uma onda gigante...
- Oba... Esteve a ler-me... yes... yes... yesssssssss... Sabe que nunca acreditei que lesse uma linha que fosse... e afinal...
- E não leio!!!!! Foi por um mero acaso que tropecei em si... está sempre no meu caminho...
- Entendo... Pode-me pelo menos explicar o que se passa aqui...?
- Vamos lá a despachar isto que tenho que regressar...
- Regressar? pensei que ficássemos aqui os dois... Calma... Calma... era só uma ideia... eu sei que tem alguém, sempre, à sua espera... Explique-me então o que se passou aqui...
- Lembra-se de ter ido à praia...? A onda gigante...?
- Sim... Estava a escrever para si quando a onda apareceu...
- E eu estava a ler essas palermices quando percebi que tinha sido engolido... e tinha entrado no corredor da morte...
- Corredor da morte... Estamos no corredor da morte...?
- Estivemos...
- Aquela luz intensa...?
- Sim...
- Uauuuuuuuuuuuuuuuuuu (Ele começa a fazer uns estranhíssimos movimentos de corpo)... Deu-se ao trabalho de me ir buscar ao corredor da morte... (os movimentos tornam-se mais intensos)... Bem...  e eu que pensava que não me podia ver nem coberto de mousse de chocolate com noz (nham... nham... nham).
- Oiça lá... o que é isso...? Para que é que se está para aí a rebolar...?
- Estou a dançar ula-ula...
- A dançar...? Ula-ula...? (este, definitivamente não bate bem... O que é que eu estou aqui a fazer...?) Mais parece um hipopótamo em trabalho de parto...
- Sim, para celebrar o facto de se preocupar comigo.
- Eu não me preocupo consigo!!!!!! (ena tantos! deixa cá pôr mais uns quantos para ele não se armar em convencido!!!!!!!!!) Pensei que não gostasse de dançar...
- E não gosto... não é exatamente forma de expressão corporal que eu aprecie... mas esta é uma ocasião especial...
- Páre lá com esse ula ula... e não gosto de noz... (por acaso gosto mas é melhor dizer-lhe que não senão ainda diz que se eu fosse um fruto seco seria uma noz... já bem me bastou ser um diospiro...)...
- Mousse de chocolate...?
- Apenas tolero...
- Então, se não se preocupa comigo, e não gosta de noz (não estou a ver muito bem o que é que a noz tem a ver com o assunto, mas já estás escrito fica por ali...) por que me veio buscar...?
- Porque quero que acabe a frase que começou a dizer à onda gigante antes de ser engolido... Pode dizer-me a mim... agora... não à onda...
23/8/2012