sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Contos da madrugada tardia... Ontem... sonhei contigo...

Sonhei contigo a noite passada... Há algum tempo que não sonhava... Na realidade... mal tenho tempo para dormir... quanto mais para sonhar... Acho que já escrevi isto em qualquer lado... mas agora não me apetece ir verificar.... Voltando ao sonho... foi bom... estranho... mas bom... Sonhar contigo é sempre qualquer coisa de fabuloso... Tudo aconteceu, aparentemente, num tempo intemporal... como em todos os sonhos, aliás... Eu caminhava por um bosque desconhecido... Era noite... quase manhã... fazia algum frio... por isso todo o cenário estava impregnado por tons de cinzento... De facto, o frio é sempre cinzento... Sentia-se uma estranha atmosfera no ar... Era como se uma bruma, em tons de lilás, vinda do mar, se dispusesse, como uma segunda camada, em torno do cinzento, e nele simultaneamente se entrelaçasse,  envolvendo, assim, todo o bosque... Senti uma dor... um líquido viscoso corria-me pelo braço... uma ferida... Como...? Porquê...? Não consegui perceber o que me tinha acontecido ... Continuei a caminhar por um trilho já antigo, entre arbustos silvestres, árvores de grande porte, pequenos prados verdejantes  e, aqui e ali,  plantações de gladíolos... túlipas... roseirais... cujas rosas multicolores emprestavam um aroma especial ao ambiente...  um aroma ... mágico... Pequenas gotas de cristal liquefeito viajavam de folha em folha até tocarem o solo e produzirem sons de prelimpimpim... Um ouvido mais atento perceberia que esses sons não eram senão um pequena partitura, no âmbito de uma telúrica sinfonia, que alimentava de sonho e de fantasia toda a Natureza em redor... Desemboquei numa espécie de promontório que se se elevava sobre o mar aberto... um mar cujo azul se estendia pelo horizonte... em todas as direções... Percebi então... que estava numa ilha... Uma ilha... como teria ido ali parar...? Porque estava ferido...? Olhei em redor... procurei referências em memória... Não... sim... Todo este cenário me faz recordar... algo... mas exatamente o quê...? Continuei a caminhar... doía-me o braço... a ferida devia estar a infetar... Atravessei um pequeno areal, aparentemente ainda inexplorado, e reentrei no bosque pelo oeste... Caminhei... caminhei... sentia-me já a desfalecer ... sem forças... o braço pesava-me como chumbo... Ajoelhei-me... Uma estranha claridade no horizonte próximo... Arrastei-me até lá... Uma pequena clareira... coberta de relva verde debroada por reflexos de prata... Deixei-me cair... Fechei os olhos... senti movimento em meu redor... abri-os novamente... À minha volta doze raparigas/senhoras... bonitas... trajadas com vestes antigas... fechavam-me dentro de um círculo... Um esforço de memória... mais um... tenho que conseguir... bruma... uma ilha mágica... Atlântida... não... doze feiticeiras... AVALON... Estou em Avalon... Mas... como...? Uma voz suave mas firme ecoa no espaço:
- O que é que se passa aqui...?
- Encontrámos este guerreiro ferido Mestra... O que lhe fazemos...?
Procuro movimentar os olhos na direção da voz suave...
- Guerreiro ferido... hummmm... Conheço esta cara de qualquer lado...
... uma face lindíssima debruçou-se sobre mim... Fiquei absolutamente fascinado pelos detalhes de tanta beleza... Avalon... se estou em Avalon... se estou em Avalon... esta voz... suave e firme... esta face... lindíssima... este cabelo cor de azeviche com veios de prata... estes olhos cor de cereja-do-sul que parecem destilar a doçura do mais puro mel... Estes lábios... tão bem desenhados... só podem pertencer a ...
- Morgana...!
- Morgana...???? Eu...??? Achas que uma feiticeira como eu pode ter um nome horripilante como esse... igual ao da bruxa má dos 101 Dálmatas...? Bravo guerreiro... embora a tua cara me continue a parecer conhecida... e isso não seja um bom sinal... vou revelar-te o meu nome. Sou Elegana a Feiticeira-Mor de Avalon... ilha mágica no Oceano, onde tudo é belo e incorruptível, graças aos meus múltiplos momentos e experiências de magia branca... E tu quem és...?
- Elegana... gosto do seu nome nobre feiticeira de Avalon... embora ache que lhe falta um H... É um nome que contém em si mesmo as mais fantásticas   vibrações... arrastando um pobre coração humano para o maior desvario sentimental jamais visto em Avalon e arredores... (Se eu estou em Avalon... nestas condições... posso ser...)  Quanto mim... sou um guerreiro chamado... Arthur... como é óbvio... Mas... lindíssma Helegana importai-vos de colocar toda a vossa sabedoria a tratar esta ferida profunda a um guerreiro que atravessou árduos e violentos combates...?
- Arthur... És familiar do Rei Arthur de Camelot...?
- Absolutamente... Irmão gémeo... Inclusive vim cá com a missão de lhe levar a Excalibur... para vencer os terríveis inimigos que o assolam...
- Há qualquer coisa na tua história que não está  a bater certo... mas diz-me cá bravo guerreiro... onde está a tua arma... o teu cavalo... em que batalha foste ferido...?
- Elegana, só pronunciar o teu nome me faz estremecer de emoção...  nobre feiticeira de Avalon... fui desapossado da minha espada e do meu cavalo por 500 ferozes inimigos... mas apenas após feroz resistência...claro... e, além disso... fui ferido à traição...
- Lutaste sozinho contra 500???  (Está-me a cheirar a aldrabice...) Que bravo guerreiro... Estou a ficar sem palavras...
- 500... ou menos... Foi uma luta desigual... Tudo para chegar a esta ilha mágica e desfrutar da sua beleza lendária...
- Para desfrutar da minha beleza lendária...? Então... Não tinhas dito que o rei Artur, lá de Camelot, te tinha incumbido de uma missão...?
- Claro que sim lindíssima Princesa... desculpe ... feiticeira de Avalon... incumbiu-me, de lhe levar a Excalibur... como aliás já lhe disse à pouco (a conversa está a ir por caminhos perigosos... é melhor começar a gemer...) aiiii... aiiiiiiiiii.... a minha ferida... que dor profunda...
A lindíssima feiticeira Elegana aproximou-se de mim, observou a minha ferida e o seu aroma embriagou-me completamente, numa profusão de sentires jamais previstos para um ser humano... 
- Está feia esta ferida... deves ter sido atingido por uma lança envenenada... Parece-me uma mistura de veneno de escorpião com a toxina botulínica... Vou ter que utilizar toda a minha vasta sabedoria...
- Mestra, vai conseguir salvar este valente guerreiro que enfrentou 500 inimigos sózinho?
- (500 inimigos...? faço ideia... Valente mentiroso é o que ele parece ser... Olhem-me para esta dentuça de mentiroso... e os olhos... de carneiro mal morto... não... não me convences... deves ser é um abelhudo que foi escorraçado de qualquer lado...) Claro que sim meninas... mas o veneno é muito forte e ele está muito fraco... 
- Messstra... você tem que sauvar esse bravo guêrreiro ... Porque não aplica sua magia branca speciau?
- Pára lá com esse sotaque brasileiro Gioponda... Já não estás em Minas... Sabes bem que nunca utilizei essa magia... É muito poderosa... só em condições muito especiais...
- Mas o cara mérece...né? Tão bravo... me esclarece uma dúvida aí... Esse beijo tem que ser messssmo nos lábios do cara...?
(Oba... beijo... estou a gostar desta parte... nos lábios... auuuuuuuuuuuuuuuuuu... até uivo... insiste... insiste brasuca de Minas...)
- Não me está a agradar essa insistência Gioponda...eu é que sei o que tenho que fazer... Porque é que ele não reage ás minhas magias normais...?
(Adivinha... quero o beijo... claro)
- Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... que me sinto a morrer muito em breve... Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... Quem me ajuda... Aiiiiiiiiiiiiii...
- (Não acredito que isto me está a acontecer... Nunca apliquei esta magia e tinha que me aparecer este passarão... se não estivessem aqui as minhas aprendizes... aplicava-lhe um corretivo... mas assim... e se o intruja morre mesmo...? vai ter mesmo que ser... Deus me ajude..) 
- Mestra... mestra ajude o bravo guerreiro...
(Isso meninas... mais ênfase... mais dramatismo... Se conseguirem convencer a lindíssima Helegana... têm lugar garantido no próximo conto...)
- Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... que morro... Quem me liberta da morte que em mim acontece...?
- Messsssssstra não deixe o cara morrer aí... Olhe sua consciência... Se o cara morre... Não vai ficar fáciu pr'á sinhora... né?
- Sim... Mestra... aplique a sua poderosa magia...
A líndíssima Helegana debruçou-se sobre mim e os seus doces lábios, sem baton, aproximaram-se dos meus... mais... mais... estão praticamente a colar-se... e...
Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmm..............
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Polícia de Segurança Pública
Auto de Notícia
Aos 6 dias do mês de Outubro do ano da Graça de 2012, esta esquadra foi alertada para a ocorrência de graves distúrbios na rua em frente da estação da CP. Foi enviada uma patrulha que, quando chegou ao local, encontrou uma multidão envolvida em indescritíveis cenas de pugilato. Em termos muito brejeiros a situação pode ser definida como "andava tudo à trolha". Houve a necessidade de pedir reforços e perante o insucesso da ação dos mesmos, teve que ser chamado o Corpo de Intervenção que, a muito custo, conseguiu repor a ordem pública. Após a presença do departamento da polícia cientifica no local foi possível reconstituir o incidente e chegar a algumas conclusões:
Pelas 05H50 deste dia malfadado um telemóvel-despertador foi arremessado com enorme violência, por um meliante, ainda desconhecido, de um andar alto de um dos prédios em redor. O dito telemóvel ainda vinha a despertar
Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmm..............
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quando embateu na testa de um pacato cidadão que se dirigia ao seu honesto trabalho. Este cidadão ficou um pouco atordoado e por isso mesmo chocou de frente com um casal que vinha em sentido contrário. O casal não achou muita graça ao sucedido e agarrou-se aos colarinhos do dito cujo cidadão atordoado. Um  primo deste estava à varanda, admirando a madrugada, quando viu o seu familiar a ser sacudido pelo casal. Apesar de estar em trajes de noite saltou diretamente para a rua no que foi seguido pela esposa, também em traje de noite, uma vez que pensou que o marido tinha ido atrás de alguma galdéria. O problema foi que ambos caíram em cima do tejadilho de um carro que ia a passar. O condutor da viatura fez uma travagem brusca que provocou um choque em cadeia de seis outros veículos. Os condutores  e os passageiros destes veículos envolveram-se numa acesa discussão que rapidamente passou a vias de facto. O caos estabeleceu-se quando, alguns cidadãos que  seguiam para o seu dia de trabalho, foram acidentalmente atingidos por uns sopapos que lhes não eram dirigidos. Sentindo-se feridos na sua honra envolveram-se também no desacato o que levou a que conforme acima referido a situação chegasse ao ponto de, naquela rua, "andar tudo à trolha". Segundo foi apurado, tudo parecia ter acalmado quando, do centro nevrálgico do desacato, alguém gritou: "Organizem-se, já estou todo negro e ainda não malhei em ninguém..." Alguns dos cidadãos intervenientes no desacato dispuseram-se a ser esbofeteados pelo dito cujo cidadão que ainda não tinha malhado. A situação agravou-se quando, apenas depois de terem apanhado pela medida grande, perceberam que o dito cujo cidadão, que ainda não tinha malhado em ninguém, estava todo negro... porque era de raça negra.  Furiosos atiraram-se a ele e... o regabofe voltou à rua e apenas terminou quando o Corpo de Intervenção distribuiu uma quantas bastonadas e levou toda a gente para a esquadra. A mais resistente dos "desacateiros" foi a senhora em traje de noite que, com  vários tufos de cabelo, apertados nas mãos delicadas, gritava a plenos pulmões: "Anda cá galdéria"... 
A grande questão que se coloca e que urge resolver é: Quem foi o responsável pelo desacato? Existem algumas pistas. O dito telemóvel-despertador que deu origem ao desacato deixou cair alguns números quando embateu na testa do cidadão. Os números recolhidos pela polícia científica foram o 3, 5, 9, 2, 3, 6, 4. Faltam dois números para identificar o patifório-atirador-de-um telemóvel-despertador-pela-janela... Agradece-se a quem os tenha encontrado que nos faça chegar para terminarmos a investigação e levarmos o meliante à presença do juiz. O processo de identificação do dito cujo meliante-patife-desconhecido pode, no entanto, vir a ser mais rápido pois algumas testemunhas afirmam que uma figura suspeita, vindo, não se sabe bem donde, se terá esgueirado por entre a multidão em fúria... passo furtivo... olhar distante... e trauteando um fado antigo: 
                 
          E se é loucura amar-te desta maneira
                                           Quer eu queira 
                                           Quer não queira
                                     Não posso amar-te calado

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