terça-feira, 22 de outubro de 2013

Contos da madrugada tardia... A tempestade caiu sobre a cidade...

A tempestade caiu sobre a cidade... fria... implacável... devastadora... Inundou ruas, casas, jardins, túneis, adegas, estações de metro... caves e... sub-caves... Uma força viva que arrastou consigo tudo o que estava no seu caminho... detritos urbanos... pequenos animais desprevenidos... pedras de calçada... árvores... mobílias... carros...  casas...  pessoas... As vagas de chuva sucediam-se de forma contínua... ininterrupta... apoiadas pela fúria enlouquecida dos elementos... especialmente do  vento...  que aproveitara a abertura momentânea dos portões do Inferno para se expandir sem freio pela face da Terra... O seu som fazia lembrar o silvo agudo da antecâmera do apocalipse... Nele despareciam.... gritos... gemidos... súplicas...  silêncios... engolidos pela sua voracidade insaciável... Edifícios em bloco oscilavam... hesitantes... entre regressar à sua postura vertical... ou esbroar-se... em mil pedaços de tijolo... ferro... cimento... e... carne... O horizonte apresentava uma tonalidade escarlate... tingida... aqui e ali... por pinceladas de amarelo-crepitante... provenientes das inúmeras labaredas em redor... Segui completamente ao acaso... por entre cacos... água... destroços... ruínas... água... pedaços de realidade... que se fragmenta a cada momento... Segui... sem ouvir... quase sem ver... indiferente ás chagas que me cobriam... e às dores que me corroiam... Estou fraco... cansado... desnorteado... Não sei para onde vou... Sei apenas que vou... Arrasto os pés quase sem os sentir... entre a água gelada em que chapinho e o sangue quente que deles jorra... Uma estranha sensação toma conta de mim... Sinto um terror enorme envolver-me... Procuro perceber o que acontece ao meu redor... O caos... apenas... o caos... A Torre de Babel... em pelo processo de desintegração... O Quinto Cavaleiro do Apocalipse galopando desenfreado pela Criação divina... Súbito... entre a bátega e o silêncio... entre o silvo e o fumo... vejo-te... a ti... saída do nada... perdida na tempestade... cercada pelo fogo... sózinha no mundo... Vou buscar forças... onde elas já não existem... talvez à profundidade ignota do meu coração... lá... onde... o amor e o amar se fundem e confudem... Corro para ti... deixei de ter dores... de me sentir cansado... de querer fugir... Já nada importa... a não ser... tirar-te dali... O próprio mundo pode fragmentar-se em mil pedaços desde que te não leve com ele... Corro para ti... tropeço nem sem bem em quê... Caio sobre uma amálgama de vidros partidos e ferros retorcidos que me rasgam a carne... Sinto novas fontes se sangue a jorrar do meu corpo... Levanto-me mais depressa do que caí... Corro... por entre charcos imundos... fogeiras em flor... e... rajadas de vento que me empurram para trás... mas não conseguem... A força que me move é superior a rajadas de vento... furacões... sismos...  Consigo aproximar-me de ti... Ao contrário do que normalmente acontece... não foges... nem aparece ninguém para te proteger... Estás pálida... molhada... assustada... esgotada... mas... tão linda... Sinto a tentação de me sentar em frente a ti a admirar a tua beleza... Resisto a essa tentação... Não é altura para isso... Toco a tua mão e... nesse instante... um poder desconhecido toma conta de mim... Sinto-me capaz de vencer o mundo... de enfrentar o Quinto, o Sexto e o Sétimo Cavaleiro do Apocalipse... Procuro que me acompanhes... mas percebo que já não tens forças para tal... Estás gelada... Tiro o que resta da minha camisa... envolvo-te nela... Pego-te ao colo... não resistes... Estás demasiado cansada... Percorro ruas destruídas... parques em chamas... campos inundados... pontes caídas... Olho para ti e os teus olhos doces têm uma tonalidade especial... Creio que nunca tive oportunidade para te dizer isto... e... mais ninguém no mundo o sabe... nem tu... porque nesses momentos nunca te olhaste ao espelho... mas... os teus olhos... tão bonitos... tão expressivos... tão profundos... quando estás muito cansada... perdem um pouco da sua cor natural... de cereja-do-sul... e ganham  uma tonalidade impar de infinita ternura... Tive... ao longo dos anos... a oportunidade para perceber isso... Mas... agora... o que importa   é tirar-te daqui... Chego ao sopé da montanha... lá... onde... a fúria do apocalipse ainda não chegou... Adormeceste de exaustão...  Inicío a subida... montanha acima... Um som surdo invade o ar... Olho para trás... Uma onda gigante percorre, num ápice, a distância que a separa de nós... Corro rampa acima... procuro chegar a uma gruta acima do nível das águas... Não vou conseguir... Está cada vez mais próxima... Sinto o cheiro amargo da destruição... A gruta... Estamos quase... quase.... A gruta... chegámos... Só há espaço para uma pessoa... A onda ali mesmo atrás... mesmo ali... Deito-te no chão da gruta... Cubro-te com a roupa que me resta... Beijo ao de leve o teu rosto lindo... Tenho que tapar a entrada da gruta... Não permitir que a água entre... Coloco-me de forma a bloqueá-la... a desviá-la... Aí vem a águaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa...
20/1/2013

Sem comentários:

Enviar um comentário