terça-feira, 8 de outubro de 2013

Contos da madrugada tardia - O Eremita

Os primeiros raios de sol abriram em leque sobre o horizonte, inundando a manhã de uma luminosidade espectral... Uma tonalidade ímpar de azul foi, a pouco e pouco, emergindo, transformando  a abóboda celeste num imenso espaço criativo... onde o movimento elíptico de seres angélicos, ao atravessar   pequenos novelos de algodão, redigia os mais belos textos poéticos...   Nos campos,  nas estradas, nas praias, nos desertos, uma suave brisa trazia consigo sons do Oriente... sons de bambu e de cristal, entrelaçados no ritmo profundo do mar abissal... Duendes... ninfas... salamandras... silfos... e outros seres fantásticos reuniam-se no Vale de Mezoton... onde  partilhavam fabulosas alquimias... recuperavam antigos elixires... saberes de outras eras... segredos ocultos pelo véu translúcido do tempo sem tempo... Um pouco mais a Sul...  nos cálidos desertos do Khali Se... um eremita... com vestes andrajosas... pele tisnada pelo sol implacável... resquícios de longos anos de retiro... de solidão... de isolamento... fugindo... da cidade... da gentes... quiçá... de um amor não correspondido... prostrado por terra... agradecia a concessão de uma graça...  A de voltar a ver a dona do seu coração... aquela pela qual tinha partido... tinha deixado tudo para trás...  abandonado o mundo dos homens...    E agora... ali estava ela... mesmo à sua frente... linda... mágica... deslumbrante... O velho anacoreta... lágrimas salgadas abrindo profundos sulcos na face queimada e suja... perante tamanha felicidade... levantou-se... muito a custo... dirigiu-se àquela por quem o seu coração ainda batia com tanta força... e ajoelhou-se a seus pés... Não... não lhe tocou... nem numa mão para não a conspurcar com os longos anos de deserto... Fitou-a longamente e perante tão lindo sorriso apenas conseguiu balbuciar... "Amo-te... tanto... ..." Ainda tentou terminar a frase com o nome da sua amada... mas... por ignotas razões... Deus já não lho permitiu...
22/1/2013

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