A seguir à Portela das Padeiras, e a um descanso para relaxar os músculos, seguimos caminho pela planície ribatejana, por entre o som ritmado do suave canto das lesírias e o aroma ainda fresco dos roseirais que dão cor e vida a diversos quintais ao longo do percurso... Fomos atravessando diversas povoações que apenas nos cumprimentaram de passagem, tão ocupadas estavam com as suas lides...
Póvoa de Santarém... rodeada de férteis campos convertidos, principalmente, em olivais e pomares. Esta localidade foi, durante muito tempo, conhecida como "Póvoa dos Galegos" devido ao grande número de "galegos" (pessoas oriundas das Beiras e de Trás-os Montes) que durante o século XVIII, ocorreram a estas terras para trabalhar na construção de estradas...
Torre do Bispo, pequeno lugarejo, com pouco mais de 100 habitantes cuja capela com perto de 800 anos data de 1317. Reza a lenda que em tempos remotos teria sido construída, nos arredores, uma enorme torre, toda em tijolo do adobino (uma mistura de barro, água e palha recorrendo a técnicas artesanais com origem no Antigo Egito e a que encontramos referências em Êxodo 5, 7-18) que lhe garantia uma forte resistência e, simultaneamente, mantinha o interior fresco, mesmo durante o pico do calor. Ainda segundo a lenda um Bispo itinerante da região utilizava a referida torre para descansar antes de uma nova jornada. Uma noite o Bispo não se estava a sentir particularmente bem, saiu da torre, caminhou pelas redondezas, procurando alguém que o pudesse ajudar. Perdido na escuridão, exausto, sedento, faminto e delirante acabou ficar caído, horas a fio na berma de uma estrada secundária... Não se sabe exatamente quanto tempo passou até que Deus guiou uma alma caridosa até àquele local... Era uma lindíssima senhora, elegante, fino trato, que, após um árduo dia de trabalho, regressava a casa, algo temerosa, face à escuridão das imediações... Constava que, por aquelas estradas, temíveis bandos de salteadores assaltavam e, muitas vezes, maltratavam, quem por ali se aventurasse... Alguém chegou mesmo a jurar, pelos olhos que a terra iria um dia comer, que a própria Morte tinha ficado sem a sua temível foice, numa noite de má memória (má memória para ela, Morte, claro)... Daí que a lindíssima senhora fosse pé ante-pé... no maior silêncio... quando viu um vulto caído por terra... Dirigiu-se a ele... levantou-lhe a face, deu-lhe a beber o resto da água que lhe restava no pequeno cantil de pele de borrego e afagou-lhe ligeiramente a testa suja de pó... Segundo reza a lenda após beber a água e recuperar a consciência, o bispo olhou na direção da sua salvadora e quando o olhar de ambos se cruzou, houve como que uma combustão interna em cada um deles que os fez ficar fascinados a olhar para o outro... Relembrando a sua condição de homem da Igreja e do celibato a que tinha feito votos... mesmo contra a vontade do seu coração, agora em chamas, o Bispo retirou-se apressadamente para a sua torre de onde se recusou a voltar a sair... Um lugarejo formou-se em redor da torre para suprir as diferentes necessidades alimentares do bispo que apenas contactava com o exterior através de uma pequena fresta na pesada porta de ferro... A lindíssima senhora... com o coração flamejante de amor e paixão esperou dias e dias, semanas e semanas, meses e meses, à porta da torre... por um olhar... um gesto... uma atenção do seu amado... Face à ausência de qualquer atenção da parte do bispo, que procurava cumprir os seus votos, a senhora foi definhando dia a dia... Muitos a tentaram com promessas e cortesias mas ela recusou-se sempre a olhar para outro cavalheiro e, no limite das suas forças físicas, à beira de um colapso nervoso-sentimental, retirou-se para um convento... Quando questionada pela Madre Superiora sobre as razões da sua inabalável vontade de seguir o caminho de noiva de Cristo ela, com as lágrimas nos olhos, apontou para sul e balbuciou: " A... Torre... do Bispo..." A Madre Superiora sentiu um estranho rubor subir-lhe ás faces e, algo perplexa, perguntou-lhe: "Minha filha... ficaste em xeque...?" "Não... snif... snif... xeque-mate... snif... snif"... Desse dia em diante o lugarejo passou a ser conhecido como Torre do Bispo...
A seguir a Torre do Bispo passámos, praticamente sem nos determos, por Almajões, outro pequeno povoado do distrito de Santarém e, finalmente, chegámos a Pernes... Já não era sem tempo...
Em Pernes, tínhamos a Dª ermelinda à nossa espera e tudo voltou a ser como dantes... Nesta povoação e nos seus Bombeiros Voluntários onde almoçámos, há sempre um espaço disponível para recuperarmos forças e, quem estiver disposto, e necessitado, dispõe de uma zona reservada a massagens e primeiros socorros prestado por uma equipa de especialistas dos Bombeiros de Pernes, auxiliados por alguns elementos da Cruz Vermelha... Há quem se sinta como novo, depois de passar por esta sala... No entanto, quem lá se dirigir, deve ter uma certa paciência, pois são vários os grupos de peregrinos que em Pernes fazem ponto de descanso pelo que, normalmente, há lugar a um tempo de espera... Entre aqueles grupos merece particular realce o grupo de peregrinos de Setúbal (se a memória me não falha) que todos os anos quando chegamos está a preparar uma deliciosa feijoada de chocos... Não que eu seja grande apreciador de feijoada... prefiro os chocos fora da feijoada... mas, dizem os entendidos que, pelo cheiro que emana daquele enorme tacho, deve ser de comer e chorar por mais... Feijoadas à parte, pessoalmente, prefiro ocupar o tempo livre a meditar profundamente, aqui em Pernes, na modalidade "ângulo obtuso"...
Sem comentários:
Enviar um comentário