segunda-feira, 17 de junho de 2013

Peregrinação a Fátima 2013 - Segundo dia - III

Ao bacalhau assado, no Vale de Santarém, seguiu-se um período para a digestão, o descanso, o convívio e o tratamento dos pequenos problemas que normalmente surgem, mesmo quando julgamos que a eles estamos imunes. Ao longo de um percurso desta natureza, com muitos quilómetros pela frente, a cada dia há sempre duas formas de lidar com este tipo de mazelas. Uma é a de procurar aliviar/tratar o problema na primeira paragem, ou a cada paragem. Luís Barrento, por exemplo, é um adepto confesso desta prática. Eu prefiro a outra via. A não ser que as dores sejam insuportáveis (e até hoje nunca o foram) prefiro não mexer até ao fim da jornada diária. Normalmente consigo adaptar-me à dor, pelo que quando fazemos uma paragem, essa dor já faz de tal forma parte do meu ser que prefiro não mexer, não vá ela ter um súbito delírio criativo e inventar novas e mais agudas formas de se manifestar. Como diz o ditado, ou o refrão, já nem sei bem: "(...) p'ra pior já basta assim..." 
Alguns dos problemas físicos, que surgem durante o percurso, devem-se, ao não cumprimento dos conselhos que são dados pela organização, como, por exemplo, não levar calçado novo ou muito apertado ou não caminhar com calças de ganga que, mais tarde ou mais cedo, se tornam verdadeiros instrumentos de tortura, nas assaduras "interiores". Quem apenas não passou por este autêntico suplício pode descurar esta vertente da preparação para o caminho.
Eu, pessoalmente, besunto-me com vaselina nas hipotéticas zonas de assadura e até à data não me tenho dado mal... Relativamente aos conselhos dados pela organização, há quem não os cumpra e não se tenha dado mal e há quem, de facto, passe um mau bocado... Eu procuro cumpri-los à risca... e nunca tive problemas... melhor dizendo os problemas que tive já vinham comigo do antecedente. Não foram criados pela ou durante a caminhada...
Saímos do Vale de Santarém por volta das 15 horas. Nesta altura não creio que alguém pensasse em problemas ou mazelas... A estrada, estreita ao princípio, obrigou novamente à fila indiana quase perfeita. Por pouco tempo... O calor começava a dar sinais de vida embora já não de forma sufocante como quando o sol atinge o pique do meio dia... Ainda assim a prometer alguma transpiração para os quilómetros que nos faltavam caminhar até Santarém.  Assim que a estrada alarga regressamos a pequenas linhas de duas ou três pessoas que entre si vão conversando sobre os grandes temas da atualidade. Outros Caminhantes vão fazendo o percurso de uma forma mais introspetiva, orando, como o Paulo (Paulo do Larguinho como diz a Dª Ermelinda) que vai caminhando com o terço deslizando ao longo da sua mão esquerda, terço esse cujas contas ganham um brilho especial quando encadeiam o dinamismo de uma prece sentida a Nossa Senhora de Fátima. Também o senhor Humberto caminha ao som das suas preferências musicais, intervaladas com as últimas notícias do país e do mundo.
Nesta altura vamos encontrando pelo caminho outros peregrinos, em grupo ou individualmente que, tal com nós seguem o caminho que lhes é determinado pela sua fé. No dia anterior já tínhamos encontrado o grupo de peregrinos de São Julião do Tojal, parceiro de caminhada já de alguns anos a esta parte... Por agora estamos a chegar ao sopé da subida final para Santarém...
A subida para Santarém é dura... Curta mas dura... Em alguns momentos a inclinação atinge uma percentagem apreciável, nomeadamente na segunda parte da subida, quando o olhar quase que é obrigado  a subir a prumo para encontrar o horizonte citadino.Neste tipo de subidas o grupo volta a fracionar-se. Cada caminhante adota o tipo de passo que mais se adeque à sua condição física. Não há pressa  em chegar pelo que há que evitar os excessos e as suas consequências. Recordo-me que o ano passado, nesta subida, uma Caminhante, quiçá por algum excesso de ritmo inicial, associado ao sol e ás temperaturas elevadas, "estoirou" positivamente a meio da subida. Foi imediatamente apoiada por todo o grupo que vinha à retaguarda e pelo carro de apoio, com a Dª Ermelinda, sempre atenta a este tipo de situações... Esta 5ª feira não houve problemas deste tipo ou de qualquer outro e cada um chegou, a seu tempo, ao topo da subida onde cumprimentou o Capitão Salgueiro Maia cuja estátua de homenagem já está tão perto, tão perto, da porta de saída da cidade que não hão de tardar muitos anos para que esteja lá em baixo no Vale de Santarém... Afinal quem foi este Salguêro Maia... Um pintor? Não...  se é capitão... Um militar... claro... Ah ah ah... Onde é que eu tinha a cabeça... Já sei... Deve ter sido um resistente às invasões francesas, talvez  a segunda que passou por Santarém... ou terá sido a quarta...?  Não esperem... não foi nada disto... Foi quem comandou as tropas miguelistas na Batalha de Sant'Ana... Mas os miguelistas perderam, logo não têm estátuas... Oba... Está escrito na placa... Será que posso apagar o que está para trás...? As pessoas ainda vão pensar que sou ignorante... Um herói do 25 de Abril... Pois foi... Que esquecida está esta minha cabeça cansada... O velho Salgueiro Maia... o homem que deu o corpo ao manifesto enquanto  os outros ficavam em segurança, na retaguarda... bem vigilantes... claro... Não podiam sujar os uniformes... preparados para o protagonismo mediático... para poderem aparecer perante as câmaras e as objetivas... Compreende-se a amargura do Capitão de Abril, nos últimos anos de vida... esquecido... ignorado... desterrado... São essas as regras do jogo sr. capitão... Os operacionais só lembrados quando são úteis... Depois... nunca existiram... ou então... se as coisas correm mal: 
"- Maia...? Que Maia...? Salgado Maia...? ah Salgueiro... Sim... não sei quem é... Quis o quê? Golpe de estado?... Ah ah ah... Que lunático... Olhe... O melhor é "despachá-lo" não vá ele inventar mentiras sobre pessoas honestas e leais ao regime, como eu..." Como diz o poeta: "[Os operacionais] São os que percorrem os tuneis escuros e malcheirosos, o subsolo dos salões iluminados... São os que varrem para debaixo das carpetes os lixos comprometedores... São, senão os alicerces, pelo menos os andaimes dos regimes [e dos movimentos revolucionários]... a sua roupa interior... necessária, mas pudicamente oculta..." Os operacionais nunca são lembrados... ou se o são... ninguém sabe quem foram... Quem foram Alfredo Costa e Manuel Buiça? Quem foram os patriotas que atiraram Miguel de Vasconcelos pela janela no dia 1 de Dezembro de 1640? Mais sorte teve Rui Pereira... Quem??? Rui Pereira... sim o Rui... Foi o homem que em 1383 deu a estocada final no Conde Andeiro... Somente e apenas porque o Mestre de Aviz não quis que a sua estocada fosse a fatal... pelo que o Rui teve que terminar o "trabalho"... 

- Livra-te de escrever o que estás a pensar...
- Eu? Senhora minha.. por quem sois... Achais que eu era capaz de ... Aliás...  nem estava a pensar em nada... Apenas uma fugaz ideia que já nem me lembro qual era...
- Dispenso as tuas rábulas e as tuas graçolas de mau gosto... Continua a escrever sobre os meus Caminhantes...

Entretanto os Caminhantes vão chegando ao topo da subida... Um após outro... O rosto marcado pelo esforço, pela determinação, pela coragem, pela fé... Sr. Mário... Dª Marília... Sr. Carlos... Dª Heloísa... Um a um vão vencendo mais uma dificuldade... O Sr. Amaral e a sua esposa... O Sr. Sousa Pais... Dª Helena... Estão praticamente todos já na cidade recuperando forças... e... claro... Dª São e o Sr. Fernando... os condutores do carro-vassoura...
































































































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