quarta-feira, 12 de junho de 2013

Peregrinação a Fátima 2013 - Segundo dia - I

Caminhante uma vez... Caminhante para sempre... Ainda que o regresso à estrada não aconteça e apenas façamos a peregrinação uma vez, criam-se, entre todos nós, laços que perduram para todo o sempre... É a partilha de toda a  experiência comum, que comungamos,  em nome de uma fé que brota da mais profunda fonte de vida que em nós existe e que para sempre permanecerá e nos ligará... É neste âmbito que inicio o dia de hoje, com a homenagem a uma Caminhante de muitas peregrinações (embora comigo apenas tivesse partilhado uma, a do ano transato), que recentemente nos deixou, para recolher ao Eterno Seio, de onde todos nós proviemos e aonde todos nós regressaremos... Convido-vos, pois,  a um minuto de recolhimento, em que cada um de nós, em silêncio, lhe endereçará uma oração pela sua felicidade eterna...  Até sempre Dª Vitória... Descanse em paz...

O segundo dia iniciou-se bem cedo... 3H30... ainda a madrugada era menina e um suave restolhar acompanhava o ecoar de passos... ao longe... e perto... bem perto... Arrumar os colchões, sacos-cama e todos os adereços que nos acompanham... descer dois andares para fazer a higiene pessoal e voltar a subi-los... Os elevadores continuavam avariados... claro... Alguns caminhantes fizeram uma pequenina batota... mas eu não vi nada... Que batota foi essa..?  Desceram pelo corrimão e chegaram lá abaixo mais depressa... Nada de muito importante... Depois do carro de apoio arrumado é o tempo para a oração da manhã... As palavras de Dª Ermelinda pronunciadas com ritmo certo ao som da sua voz melodiosa, soaram com uma tonalidade especial, no interior do pequeno espaço do Centro Social e ecoaram no íntimo de cada um de nós...
 Durante a oração há uma Caminhante que se sente indisposta... desfalece e é logo apoiada por todos os (as) outros Caminhantes que se encontram por perto. Dª São, enfermeira experimentada, habituada a manter o sangue frio mesmo nas mais críticas situações, rapidamente toma conta da ocorrência...
Após a oração da manhã deslocamo-nos para a pastelaria onde normalmente tomamos o pequeno almoço, poucos metros adiante. Reconfortado o estômago inciamos a marcha sob os auspícios da chuva que já vai molhando... Não são apenas os pingos do dia anterior... mas chuva... chuva de Maio... que nos toca... nos afaga... nos molha... nos purifica... Há que a saber sentir...  Deixar que ela se impregne em nós de uma forma natural... como o frio... ou o calor... até se tornar indistinta do nosso próprio ser... Chuva... A água enquanto princípio fundamental de todas as coisas, como afirmou, há mais de 2600 anos, o filósofo pré-socrático Thales de Mileto... A água que purifica a alma nos rituais místicos do xamanismo ao hinduísmo, que tem uma força destruidora implacável, como no Dilúvio, é fonte de uma nova vida no batismo cristão e se abre à sensualidade e ao desejo como na pintura Fonte de Juventude, de Lucas Cranach, O Velho, pintor alemão dos séculos XV-XVI... Por sinal discordo da perspetiva de Cranach... Quem conhece esta pintura sabe que o motivo se centra num lago, onde senhoras de muita idade entram de um lado desse lago e saem do outro,  jovens e belas, onde são recebidas por rapazes, na flor da idade, ardentes de desejo e paixão. Embora eu perceba a ideia da fonte ou do elixir da juventude, discordo do princípio de que o desejo, a sensualidade e a paixão estejam reservadas a corpos jovens e belos... A mulher mais bela, mais sensual e mais desejada é a mulher amada, tenha ela a idade que tiver... O corpo mais lindo e mais sensual é o corpo da mulher amada mesmo que fisicamente já tenha ultrapassado o seu apogeu e tenha entrado numa fase de menor fulgor físico... No corpo da mulher amada podemos encontrar sempre sinais de uma beleza em permanente processo de autorenovação, em que é possível redescobrir mil formas diferentes de o tocar, de o acariciar, de o amar... Um toque... suave como o contacto de uma pétala... que contenha e transmita todo o carinho... todo o afeto... todo o amor... Uma carícia que reproduza mil palavras... todas elas fundidas numa só... Um amor... que afirme num momento de tempo, que se quer eterno, a partilha... a comunhão... a fusão... Estávamos a perspetivar a importância da água... e antes que fiquemos com água na boca... regressemos... à água...  É esta mesma água que agora nos toca... nos purga... nos relembra a nossa condição de Caminhantes... Foi debaixo de água que saímos da Azambuja ... e assim caminhamos estrada fora... É ainda noite cerrada...
Em fila indiana, lado esquerdo da estrada, seguimos no silêncio da penumbra... O alcatrão molhado faz ecoar os nossos passos nas paredes translúcidas da noite adormecida... Os primeiros carros cruzam-se connosco... a elevada velocidade... demasiada velocidade... Como alerta o Sr. Luís Loição... com dezenas de peregrinações nas pernas... e uma notável sabedoria que lhe advém de toda a experiência adquirida, é  necessário ter muito cuidado com os carros a esta hora...  Os seus condutores vêm atrasados, com pressa, com sono, sem contarem com a presença dos Caminhantes da Senhora de Fátima que, passo a passo vão cumprindo o seu destino... 
Estas primeiras horas do segundo dia são fundamentais para todos os Caminhantes que sentiram maiores dificuldades no dia anterior... Normalmente, na primeira noite, assaltam-nos inúmeras dúvidas sobre a capacidade de prosseguirmos no dia seguinte... Quando regressamos à estrada, pela madrugada deste segundo dia, é sempre um pouco a tatear o terreno... a avaliar sensações... "até onde consigo ir...?", a redescobrir novas formas de conviver com a dor e percebermos que temos, dentro de nós, uma enorme capacidade de sofrimento... É, normalmente, nesta madrugada, para aqueles Caminhantes que se debatem com mais dúvidas sobre a sua condição física, que Nossa Senhora se dá a conhecer ao coração de cada um deles (de cada um de nós) e lhes (nos) revela que o seu (nosso) sofrimento é o Seu sofrimento... que cada dor é a Sua dor... pois como Mãe... sente a dor e o sofrimento de cada um dos seus filhos... Nesta revelação sentimos crescer dentro de nós uma paz e uma tranquilidade que nos arrebatam, nos tornam espiritualmente mais fortes e... absolutamente convictos de que sim... eu vou conseguir chegar a Fátima...
Neste princípio de manhã fomos sendo confrontados com situações mais ou menos inesperadas e que, de certa forma, nos traziam algumas dificuldades acrescidas. A bomba de gasolina onde normalmente costumávamos parar, para um primeiro toilette, um café, um bolo, repousar as pernas e para a oração da manhã... tinha fechado há uns meses atrás...  Mais um sinal dos tempos... Dali até ao Cartaxo não havia nenhum outro local onde pudéssemos fazer uma pausa, pelo que seguimos diretamente para a povoação que dá nome ao famoso vinho que, afinal, não é lá produzido. O nome da cidade, reza a lenda, terá sido atribuído pela Rainha Santa Isabel que num dos seus passeios terá repousado num local próximo de uma fonte  que lhe proporcionava uma agradável sombra. Durante o seu repouso ouviu o canto agradável de um conjunto de formosos e desconhecidos pássaros. Perguntou então, a alguns camponeses que passavam, qual o nome de tão belas aves ao que eles responderam: "São cartaxos senhora". A Rainha deslumbrada com tão bela espécie decretou que daí em diante o Lugar da Fonte (nome anterior do lugarejo) se passasse a designar como Lugar do Cartaxo.
A chuva reapareceu pouco antes do Cartaxo. Nada que nos incomodasse verdadeiramente.  Naquela cidade ribatejana tivemos a surpresa de encontrarmos os estabelecimentos quase todos fechados. Pelo que pude perceber tal deveu-se ao facto de a Câmara Municipal de Santarém ter dado tolerância de ponto uma vez que era o dia da espiga. Na nossa área de acção existiam apenas dois cafés abertos, que permitiram que todos nós satisfizéssemos as nossas necessidades mais prementes ao nível da alimentação, toilette, e pequenas mazelas que vão surgindo pelo caminho. Refira-se, todavia, que as necessidades de alimentação são necessidades extras, uma vez que, ao longo de todo o percurso tivemos, sempre, a nosso lado o carro de apoio com a Dª Ermelinda, a Dª Rosa e com a esposa do Sr. Sousa Pais, nos momentos em que não seguia com o marido.  As senhoras forneceram-nos todo o apoio ao nível de água, fruta, e aqueles deliciosos chocolates que apenas passam por mim sem jamais parar por um instante que seja... As agruras da vida... A presença do carro de apoio, com as senhoras, é importante não só ao nível do abastecimento como também do apoio psicológico e motivacional. É sempre reconfortante olhar para o lado e saber que em qualquer momento mais difícil teremos o necessário e indispensável apoio.
Não teve grande história a nossa passagem pelo Cartaxo. Rapidamente pusemos pés á estrada rumo ao próximo destino...







































































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