Esta noite subi as íngremes veredas das Montanhas Selvagens... Não... não... não foi o velho lobo das escarpas... Esse deve estar a repousar no interior de alguma gruta... no sopé... ou a meia encosta... sonhando com uma linda e delicada bambi... que normalmente passeia em redor do Lago das Fontes Sagradas... Reza a lenda que em algumas noites.... mais silenciosas... quando o vento leste sopra para outras paragens... se ouvem os suspiros ritmados do seu coração sonhador... desenhando imagens de alegria e felicidade pelas paredes das grutas... quais pinturas rupestres representativas de uma determinada forma de ser... de estar... e de acreditar... Esta não foi uma dessas noites... Hoje o velho lobo das escarpas devia estar demasiado cansado para sonhar... ou, então, alguma desilusão mais amarga o terá feito mergulhar profundamente nos braços de Morfeu... Ou talvez não... Quem sabe...
Esta noite subi eu a Montanha... Indiferente ao frio... à humidade... à escuridão... aos caçadores... ao sons que ecoam de parede em parede... de rocha em rocha... das almas fantasmagóricas dos que por ali ficaram para sempre... Subi... passo a passo... sem pressa... guiado pela luz das estrelas... Fui vencendo inclinações... ravinas... picos... encostas... até alcançar o topo da escarpa mais isolada da montanha... Ali me sentei... olhando o que se estendia até perder de vista... até àquela linha em que o próprio horizonte perde nitidez e... o real e o irreal se combinam numa profusão de imagens, de cores, luzes, sons e formas... Pensei em ti... na vida... no mundo... em ti... em mim... em nós... Tentei ler a linha das estrelas... decifrar os códigos invisíveis da escrita divina... mas havia uma cifra secreta... a separá-la de mim... Lamentei não saber os segredos mais íntimos da Cabala... Assisti ao nascimento de pulsares... buracos negros... quasares... Atravessei o portão da meia noite e vi correr... hora... por hora... Escutei o canto do mocho... o silvo do cometa... o desfolhar da aurora... Perguntei por ti a cada um deles... apenas o silêncio me respondeu... Já a madrugada ia alta quando desci... Ainda perto do cume encontrei... por mero acaso... a entrada de uma gruta... decorada com imagens de uma senhora muito bonita... Tão bonita como tu... Arrisquei-me a entrar e... na penumbra da madrugada vi... o vulto do velho lobo das escarpas... a dormir um sono solto... Em seu redor crepitava uma substância estranha... em tonalidades de branco e azul transparente... que não me parecia ser fogo... A sua respiração pesada era acompanhada por um som quase impercetível... Aproximei-me um pouco mais e percebi... que o terrível lobo... o feroz lobo-que-devora-capuchinhos-avózinhas-e-sabe-se-lá-quem-mais-de-uma-só-vez... afinal... chorava durante o sono... e que a estranha substância que bruxuleava em seu torno... não eram senão... lágrimas amargas que... após escorrerem pelo seu focinho lanzudo... ao tocarem o chão frio da gruta... desenhavam o teu nome em cintilantes pepitas de cristal...
3/1/13
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