Há
muito, muito tempo... tanto tempo que o próprio tempo não sabia há
quanto tempo... num lugar remoto... longínquo... indeterminado... provavelmente numa
proximidade geográfica com aquelas elevações que, milénios mais
tarde, vieram a ser chamados Montes Hermínios... vivia uma Princesa...
muito... muito... muito bonita... Os seus olhos, cor de cereja-do-sul, refletiam flocos de infinda ternura... O cabelo curto, negro como azeviche, era
sulcado por pequenos veios de prata, alguns dos quais terminavam numa relíquia muito rara...
sob a forma de um... caracol rebelde... O nariz e a boca formavam um par
perfeito que parecia terem sido desenhados especialmente para aquele
rosto... O sorriso... o sorriso... era simplesmente deslumbrante e
derretia até o coração mais empedernido... A Princesa era tão bonita que
a própria palavra "bonita" apenas passou a existir a partir do momento
em que a sua beleza se declarou ao mundo... Tão bonita que, em sua
honra, as aves do céu voavam em círculos... desenhando corações atravessados por setas flamejantes... e... os animais mais ferozes... tornavam-se subitamente tão cândidos quanto embevecidos... quando a viam a passear pelo bosque adjacente... Todas
as pessoas do reino pagavam um tributo financeiro... imposto pelo
tesoureiro real... o famigerado Gaspar... homem de fala lenta e
arrastada... e um dos mais odiados personagens do reino... Aquele
tributo era pago, apesar de tudo, de bom grado, pelos súbditos, para
poderem olhar o rosto lindíssimo da Princesa... Não de muito perto,
claro... Talvez... a uns 100 metros... Mais perto do que esta distância
era contraproducente... pois... algum daqueles cidadãos... pouco
habituado a tanta beleza... podia esquecer-se da distância social e
fazer-lhe uma banal declaração de amor....
Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr... Por isso mesmo, o já referido Gaspar...
aconselhado por alguém que ficou para sempre desconhecido (consta que um
animal feroz, de contornos lupinos, lhe terá aparecido em sonhos,
arreganhando uns incisivos poderosos... e responsabilizando-o,
pessoalmente, por uma eventual declaração daquele tipo)... congeminou
uma coima pesadíssima a quem se atrevesse a pisar a linha dos 80 metros
de proximidade... (Consta ainda que, pouco tempo depois... perturbado por aquele sonho recorrente, terá resignado ao cargo... sendo substituído pela sua adjunta na Tesouraria Real... que... na tentativa de arrecadar mais receita para o reino... permitiu a aproximação a 50 metros... mediante coima ainda mais pesada... Ainda segundo versões da época... parcialmente confirmadas... o cenário onírico tornou-se quase dantesco, para a titular daquele cargo, pois, daí em diante, em noites de Lua Nova, passou a emergir nos seus sonhos um ser conhecido como Homisobo, meio homem meio lobo, que a manteve sob a mesma pressão... A referida tesoureira... desesperada... procurando irradiá-lo dos seus sonhos... à tesourada... passou a cortar em tudo o que mexia... ordenados, pensões... por aí fora... em sucesso... claro...) O nome da Princesa estava protegido pelo código secreto dos Sete Mágicos da Atlântida e aquele que o pronunciasse em público era severamente punido... pois a Princesa escondia-se imediatamente
e apenas reaparecia por um fugaz momento... Diz a lenda que, em tempos
idos, um cavaleiro errante e desconhecido, com intenções dúbias e... provavelmente... inconfessáveis... que por aqueles lugares se aproximou... perdeu a cabeça... e o coração... por tão linda Princesa e teve a veleidade de escrever numa folha de papiro apenas algumas das letras do seu nome... Ela escondeu-se imediatamente... e o desdito cavaleiro... (ou seria cavalheiro?) tão triste se sentiu... que partiu para terras de além mar... e nunca ninguém mais o viu...
17/1/2013
17/1/2013
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