sábado, 2 de novembro de 2013

Contos da madrugada tardia... Há muito... muito tempo...

Há muito, muito tempo... tanto tempo que o próprio tempo não sabia há quanto tempo... num lugar remoto... longínquo... indeterminado... provavelmente numa proximidade geográfica com aquelas elevações que, milénios mais tarde, vieram a  ser chamados Montes Hermínios... vivia uma Princesa... muito... muito... muito bonita... Os seus olhos, cor de cereja-do-sul, refletiam flocos de infinda ternura... O cabelo curto, negro como azeviche, era sulcado por pequenos veios de prata, alguns dos quais terminavam numa relíquia muito rara... sob a forma de um... caracol rebelde... O nariz e a boca formavam um par perfeito que parecia terem sido desenhados especialmente para aquele rosto... O sorriso... o sorriso... era simplesmente deslumbrante e derretia até o coração mais empedernido... A Princesa era tão bonita que a própria palavra "bonita" apenas passou a existir a partir do momento em que a sua beleza se declarou ao mundo... Tão bonita que, em sua honra, as aves do céu voavam em círculos... desenhando corações atravessados por setas flamejantes...   e... os animais mais ferozes... tornavam-se subitamente tão cândidos quanto embevecidos... quando a viam a passear pelo bosque adjacente... Todas as pessoas do reino pagavam um tributo financeiro... imposto pelo tesoureiro real... o famigerado Gaspar... homem de fala lenta e arrastada... e um  dos mais odiados personagens do reino... Aquele tributo era pago, apesar de tudo, de bom grado, pelos súbditos, para poderem olhar o rosto lindíssimo da Princesa... Não de muito perto, claro... Talvez... a uns 100 metros...  Mais perto do que esta distância era contraproducente... pois...  algum daqueles cidadãos... pouco habituado a tanta beleza... podia esquecer-se da distância social e fazer-lhe uma banal declaração de amor.... Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr... Por isso mesmo, o já referido Gaspar... aconselhado por alguém que ficou para sempre desconhecido (consta que um animal feroz, de contornos lupinos, lhe terá aparecido em sonhos, arreganhando uns incisivos poderosos... e responsabilizando-o, pessoalmente, por  uma eventual declaração daquele tipo)... congeminou uma coima pesadíssima a quem se atrevesse a pisar a linha dos 80 metros de proximidade... (Consta ainda  que, pouco tempo depois... perturbado por aquele sonho recorrente, terá resignado ao cargo... sendo substituído pela sua adjunta na Tesouraria Real...  que... na tentativa de arrecadar mais receita para o reino... permitiu a aproximação a 50 metros... mediante coima ainda mais pesada... Ainda segundo versões da época... parcialmente confirmadas... o cenário onírico tornou-se quase dantesco, para a titular daquele cargo, pois, daí em diante, em noites de Lua Nova, passou a  emergir nos seus sonhos um ser conhecido como Homisobo, meio homem meio lobo, que a manteve sob a mesma pressão... A referida tesoureira... desesperada... procurando irradiá-lo dos seus sonhos... à tesourada... passou a cortar em tudo o que mexia... ordenados, pensões... por aí fora... em sucesso... claro...) O nome da Princesa estava protegido pelo código secreto dos Sete Mágicos da Atlântida e aquele que o pronunciasse em público era severamente punido... pois a Princesa escondia-se imediatamente e apenas reaparecia por um fugaz momento... Diz a lenda que, em tempos idos, um cavaleiro errante e desconhecido, com intenções dúbias e... provavelmente... inconfessáveis... que por aqueles lugares se aproximou... perdeu a cabeça... e o coração... por tão linda Princesa e teve a veleidade de escrever numa folha de papiro apenas algumas das letras do seu nome... Ela escondeu-se imediatamente... e o desdito cavaleiro... (ou seria cavalheiro?) tão triste se sentiu... que partiu para terras de além mar... e nunca ninguém mais o viu... 
17/1/2013

Sem comentários:

Enviar um comentário